O francês Philippe de Nicolay Rothschild, fundador do PNR Group, prevê um quebra-cabeças difícil de resolver para o mercado de vinho este ano. Pertencente a uma das mais tradicionais famílias produtoras de vinhos no mundo, a Rothschild, ele criou o grupo em 2014, que traz com exclusividade para o Brasil rótulos dos Domaines Barons de Rothschild (Lafite), os champanhes Barons de Rothschild, além dos que ele próprio seleciona vindos de países Chile, Argentina, Espanha, Itália e Portugal.
Para Philippe de Nicolay Rothschild, muitos dos desafios vêm do que chamou de espécie de “annus horribilis” para os produtores franceses em razão dos problemas com o clima em 2021; da alta no câmbio; além da escassez de insumos. Ele acrescenta que anos eleitorais são complicados no Brasil. “Mas estou empolgado”, ressalta.
Em 2019, o PNR lançou duas divisões. Uma é a Edega (www.edega.com.br), e-commerce que atende o consumidor apaixonado por vinhos renomados e com um clube de assinaturas premium (que tem até atendimento de concierge); e a Monvin, setor B2B voltada para o mercado especializado.
Confira os principais trechos da entrevista exclusiva:
As mudanças do consumo de vinho com a pandemia
2020 foi um ano muito atípico para o mundo de vinho no Brasil e no mundo inteiro. Com a pandemia e lockdown em vários lugares, você ficava trancado no seu apartamento e os únicos lugares aonde podia ir eram farmácias e supermercados. Você não ia a restaurante, cinema, shopping center. O que você faz? Assina a Netflix, Amazon Prime, HBO.
E qual é o único prazer? Vinho. Um dos efeitos da pandemia foi ganharmos mais consumidores de vinho. Quando eu digo nós, refiro-me ao mundo do vinho, que ganhou mais consumidores brasileiros. Durante os últimos dois anos, provavelmente por causa da pandemia, ou pelo menos do lockdown, mais e mais pessoas começaram a beber vinho. É mais fácil beber uma garrafa de vinho do que uma garrafa de uísque. E uma vez que você está, que você entra nesse mundo, a grande chance é de ficar.
Ou você compra no supermercado, ou compra on-line e recebe a sua garrafa. O consumo no Brasil aumentou muito durante a pandemia. Após a reabertura, a partir do meio de abril/maio, pôde-se perceber que não houve uma parada, mas um aumento forte na venda do vinho mesmo com a volta a restaurantes, cinemas etc. Mas também há as incertezas que existem na economia neste país. O cliente está segurando um pouco a bolsa dele.
A perspectiva para o ano
O consumo de vinho no Brasil, que é de 2,2 litros por habitante, acho que vai crescer um pouco em 2022. Se não tiver uma crise econômica forte, e todo mundo sabe que os anos eleitorais são sempre anos complicados. Mas estou empolgado.
Temos vários desafios no Brasil. 2021 - um annus horribilis como falou a Rainha Elizabeth alguns anos atrás para o vinho na França - teve geada, além de várias doenças que atacaram as uvas, as videiras. Então a produção vai cair de uma maneira forte, muito forte. Para dar uma ideia, a produção de Chablis vai ser um terço do normal. Nem estou preocupado com os preços, mas com a locação que vamos receber porque existe um novo mercado que está crescendo mais rápido todos os anos, que se chama China. Não vai haver vinho suficiente para todo mundo.
Essa geada que aconteceu - seja em qualquer longitude, Bordeaux ou Borgonha - tirou um monte de vinho do mercado. Mas os chineses não pararam de fazer encomendas. Agora vai ser uma briga entre os compradores para conseguir importar quantidade.
A nova safra não será suficiente. Haverá as menores quantidades possíveis da França para Brasil. O Brasil não é um mercado prioritário para a Europa. Você tem o mercado interno da França, Inglaterra, Alemanha etc. e depois você tem Estados Unidos, Canadá e China. A China compra mais vinho que o Brasil. Então se o produtor vai cortar uma locação para um país, ele vai cortar para cá. Vai ser uma guerra, mas eu gosto de guerra. Então vamos tentar conseguir as maiores quantidades possíveis. E talvez seja uma oportunidade para descobrir novos produtores. Já conseguimos novos de França, Itália ou Portugal. E esses vinhos vão chegar no primeiro trimestre. Vamos esperar que 2022 seja um ano normal. Mas há muitos fatores em jogo que vão definir tanto o preço, quanto a demanda no Brasil.
O câmbio
Em 2019 e 2021, o que mudou mais não foi o preço do vinho do produtor, mas o câmbio. Quando o câmbio sobe 30%, o vinho sobe mais. Existe o efeito do imposto que multiplica esses efeitos do câmbio. Não vejo uma queda importante do dólar ou do euro daqui a seis, sete, oito meses, mas eu não sou mais banqueiro. Fui por 30 anos.
Produção limitada
De qualquer jeito, vai chegar a um momento em que o produtor não vai conseguir - com pandemia ou não, com geada ou não - fornecer mais do que ele pode para nós. É o mesmo problema da cena seguinte. Eu não quero baixar a qualidade média dos vinhos do grupo. Eu não sou Evino. É outra proposta. Entendo porque a Evino comprou a Grand Cru. A esperança para os clientes da Grand Cru é que eles não baixem a qualidade do portfólio da Grand Cru.
Todo mundo está procurando os mesmos ovos da mesma galinha, e essa galinha só dá esses ovos toda semana. Você não pode aumentar o número de garrafas que uma vinícola faz, então vai ser complicado.
Pequenos importadores
Outra coisa aconteceu durante a pandemia, mas isso vai se regular ao longo do tempo. Várias pessoas, e quando eu falo várias pessoas realmente são várias, se juntaram e começaram a importar com contêiner. O custo deles foi muito mais baixo. Eles colocaram vinhos - nem vou falar de qualidade - a preço muito abaixo da realidade. E isso atrapalhou o mercado tradicional.
Não me considero o mercado tradicional. Sou um bebezinho perto desse mundo. Mas se você pegar os importadores tradicionais, uma pessoa vem e vende ao seu lado dois, três, quatro rótulos que são parecidos aos seus, a 25%, 30% menos. Ela não tem custo de armazém, não tem funcionários. É a mulher que faz uma coisa, e o filho faz outra. Ele tem só uma pessoa para entregar tudo, de maneira local. Tudo está terceirizado. E não tem estoque. Os vinhos são mais baratos, mas acho que isso deve funcionar um mês ou dois e depois vai parar.
A falsificação e o descaminho do vinho
O vinho que vem, como eu chamo, “embaixo do pano” é um problema mais forte. Vinho que vem de Chile e Argentina, que passa a fronteira, sem pagar imposto, é realmente um problema. Estou vendo a alfândega e a polícia ao longo da fronteira muito mais ativas que antes, mas há muito mais gente também que tenta passar de uma maneira ilegal. É um problema muito sério, mas o que você vai fazer? Não se vai fazer um muro, não somos Donald Trump, então você precisa conviver com isso.
A falsificação só vale com nomes mais reconhecidos. Falsificar um Don Melchor quase não vale a pena. Mas falsificar um Latour, um Haut-Brion? São os grandes nomes. Como hoje todas as garrafas têm na rolha um número de rastreamento, dá para saber se ela é falsificada ou não. Os produtores criaram uma rede para conter essa falsificação. E é mais quando o vinho vai para a China.
Falta de insumos
O primeiro problema é vidro. Falta garrafa no mundo. E o segundo problema hoje é a falta de contêineres. Você precisa de dois anos para colocar a economia funcionando como ela estava antes da pandemia, depois da reabertura. Então a questão dos insumos não vai ser resolvida em cinco minutos. Porque não é que a demanda pare, você pode esperar. Mas chega um momento em que a demanda do passado precisa ser satisfeita. Então você precisa satisfazer a demanda de ontem, a de hoje e planificar para a demanda de amanhã.
Insumo é um problema e vai continuar a ser. Mas não o papel. O problema do papel vai vir das questões de desmatamento das florestas mundiais. Eu não vou parar de vender Lafite numa garrafa de vidro. Não vou vender numa garrafa de plástico nem em lata. Mas existe falta de insumo para fazer lata também.
Novas embalagens
Existem vinhos mais em conta que agora vão ser vendidos em lata, é verdade. E por outra razão: a garrafa é muito pesada, principalmente quando você manda para um destino longe, Mas no mercado da China, não dá certo a bag in box, já que o consumidor gosta de mostrar a qualidade do vinho na mesa. Mas esse problema vai ser resolvido em 2022.
Clube de assinaturas
É um desafio porque todo mundo está criando clube. O nosso é mais antigo, mas é mais caro que os outros de propósito. Isso porque a qualidade média dos vinhos é melhor. Fizemos uma parceria com a Exame, as vendas estão aumentando. Mas estou longe do número ideal de assinantes que gostaria no clube. Sempre falo que “não sou interessado em marketing, sou interessado no líquido por dentro da garrafa”. Prefiro um produtor que faça pouco marketing, mas que coloca mais dinheiro em um vinho melhor, que desenha um novo rótulo a cada 5 minutos, mas que não melhora o produto dentro.
Cadeia de importação
Fizemos em 2020 e 2021 um longo estudo da importação dos vinhos para cá e redefinimos nossa cadeia de importação inteira. O que aconteceu? Para a pessoa física, sem cortar nossas margens, que são as mais razoáveis do mercado, nós conseguimos cortar o preço final para o consumidor final entre 15 e 20%. Melhoramos a cadeia inteira de importação.
Há duas coisas com que não posso fazer nada. Uma é o câmbio, e a outra é o imposto. Não vou apertar mais e não consigo apertar mais nossos produtores. Como expliquei, a demanda está crescendo. Mas com trabalho que foi feito desde o momento em que a caixa de vinhos sai da vinícola e chega pronto para ser bebido, ganhamos quase um mês. Quase um mês é muito dinheiro. Tudo o que eu posso melhorar vou repassar para o cliente. Sempre fizemos isso. O clube é o mesmo, mas os produtos do clube são ainda mais atrativos hoje.
B2B
A boa notícia para nós é que o nosso portfólio B2B está aumentando de uma maneira substancial. Estamos em mais estados, os clientes são felizes, o cliente final é feliz também. Com uma parceria com o grupo Super Adega, que é o número 1 de Brasília, nosso trabalho está aumentando lentamente, mas está.
Busca pelo preço justo
Eu sempre digo que vendo o vinho no preço justo. A margem que praticamos é a mesma que o importador alemão, americano, de qualquer país. Ela é infinitamente menor que os importadores tradicionais.
Outra coisa que eu não faço é o seguinte. Vamos dizer que o meu preço de venda ideal seja R$ 100. Eu não coloco na tabela R$ 170 e dou R$ 70 de desconto. É um engano e eu vou falar por quê. Porque se você olha “ah, esse vinho custa 170, mas eu ganhei um desconto”, o vinho não vale R$170. O vinho vale R$100, R$110, R$115, dá para fazer um desconto sim. Coloca o preço inventado para aumentar a proporção do desconto e assim o cliente tem a impressão de que ele está ganhando um presente. Mas o vinho não vale esse preço.
Essa é uma prática que eu não faço. Quando eu falo que o vinho custa R$215, mas dá para comprar por 180, esse é um desconto normal. Quando você bebe um vinho que custa 180, se eu fiz o meu trabalho de uma maneira certa, o líquido dentro vale R$250. Você entende qual é a proposta?
Se você pega a maior parte dos importadores, para um vinho de R$ 215, eles colocam a R$260, dão um desconto para R$215, mas o líquido dentro vale R$150. Eu faço o contrário.
Desafios da Edega
Meu desafio é deixar vinhos que, na boca, valem mais que o preço da garrafa. Outro desafio que eu tenho é convencer nossos amigos brasileiros - eu me considero quase brasileiro agora - a provar novos vinhos. Uma pessoa que descobriu 5, 7, 10, 12 rótulos vai comprar esses 10, 12 rótulos em seguida.
Você come a mesma comida todos os dias? Então, no mundo do vinho, tem muito mais escolhas. Você pode fazer uma massa de 10 maneiras diferentes, mas pode fazer vinho de mil maneiras diferentes. Há uvas diferentes, regiões diferentes, cortes diferentes.
Nosso trabalho é achar produtores que melhoraram, novos produtores. O pai morre, o filho não está interessado e vende a vinícola. Um jovem vem com novas ideias e produz um vinho que é muito melhor. Só que, como é o mesmo nome, ele não pode subir o preço. No final, o preço é o mesmo, e o líquido dentro é melhor.
Minha proposta é sempre de ter o preço justo. Com imposto e câmbio, não posso fazer nada. O resto é minha decisão. Minha decisão de não me aproveitar dos clientes, de oferecer coisas que os outros não oferecem.
Todo mundo fala em custo/ benefício, e não falamos de valor/prazer. O prazer que você vai comprar de mim é por um valor menor que dos outros. Não é um benefício de um vinho. O custo é o custo, mas é um prazer. Se você beber um vinho que custa R$250, que não é barato. Mas fica com uma memória desse vinho por 2 anos, ele vale mais que R$250. Quero que quando você beba meus vinhos, você se lembre daqui a um ano.