A discussão sobre o uso do termo arte no mercado cervejeiro não é exatamente nova, mas a Bodebrown resolveu reacender o debate. Na última semana, a cultuada cervejaria curitibana lançou um provocativo vídeo (assista abaixo) e, pelas redes sociais, seu fundador, Samuel Cavalcanti, fez questão de se posicionar. Muita gente viu ali uma provocação à mineira Wäls, comprada no ano passado pela Ambev. Em entrevista ao SAIDEIRA, Samuel não fugiu do assunto.
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Mas a Bodebrown não quer apenas debater o papel do artista. Inquieto, Samuel briga em várias frentes - inclusive as viagens de trem com cerveja, a próxima delas marcada para 3 de março. Nesta entrevista, ele falou sobre as mudanças na distribuição de seus produtos (e uma oportunidade para quem quer trabalhar com a cervejaria), a possibilidade de construir uma fábrica fora do Paraná e uma receita que promete causar impacto no Festival Brasileiro de Cerveja, de 9 a 12 de março, em Blumenau. Ele quer levar para lá sua Double Perigosa com teor alcoólico de até 26%.
Saideira: O vídeo levantou uma debate no meio cervejeiro...
Samuel Cavalcanti: Quisemos dar uma visão de que para ter arte tem que ter a presença do artista. E o artista está sendo usado em um cenário banalizado. Não é por aí o caminho. Estamos dispostos a quebrar com isso. Estava com receio da violência que veio na discórdia entre falsos e verdade artistas (no vídeo) pudesse causa desconforto, mas não teve nada. Fiquei feliz especialmente porque no Brasil comercial de cerveja é sempre aquela coisa de explorar a imagem da mulher.
É o primeiro de uma série de vídeos?
Samuel: Vamos ter vários vídeos para fazer uma alerta sobre para a banalização das artes. A gente é artesanal, é artista. A (americana) Sierra Nevadaé gigante, mas o artista está pulsando lá. Ainda tem o (fundador) Ken Grossman, o filho dele (Brian Grossman). Isso independe do tamanho. O que estamos dizendo é que o cara pinta dali*, faz folder... Eu começo a observar esse cenário e me incomoda.
[*Confesso não saber se o Samuel disse "dali" ou "Dalí". Só percebi que poderia ser o nome próprio na hora de edição. De qualquer maneira, desde o primeiro momento, achei que era uma referência à pintura do rosto de Salvador Dalí em tanques da Wäls, em Belo Horizonte. Na pergunta seguinte, falo sobre a cervejaria mineira.]
Muitas pessoas viram uma mensagem direta à Wäls, que tem como lema "Cerveja Arte".
Samuel: Não foi o objetivo (atingir) a Wäls. Ficou essa impressão porque acabou de ser comprada. O Zé Felipe (Carneiro, um dos fundadores da marca) tem um espírito artesanal legal, apesar de hoje ser Ambev infelizmente. O foco não era esse, mas deu uma beliscada nele por usar o termo arte. Essa discussão é internacional. Sem me preocupar muito com essa ou aquela cervejaria, mas veja o caso da Brooklyn. Eles produzem uma ou duas cervejas na fábrica e o resto é por contrato espalhado por outros lugares. O ateliê não existe. Depois, exporta para países como Brasil e China. Voltando à Wäls, refletiu sobre eles por ter sido comprada por um grupo (Ambev) e mantida por um banco. O objetivo é market share e retorno financeiro.
É um caminho perigoso a aquisição de microcervejarias pelas grandes?
Samuel: Ainda vamos ter espaço artístico apesar de sofrermos com o capital comprando exclusividade no PDV (ponto de venda), como o Alexandre Bazzo (dono da Bamberg) comenta. Eles não vão esperar 15 anos como fizeram nos Estados Unidos para entrar neste mercado. O Carlos Brito (CEO da AB Inbev) falou que a cerveja artesanal é um bicho estranho. Vão comprar e entender como se comporta. Tenho certeza que vão participar do renascimento da cerveja juntos da gente. Se isso é bom ou ruim, eu não sei. Mas quando isso acontece, eles vão querer o menor índice de rejeição. Para isso, vão tirar o aroma e o sabor para aumentar o alcance.
Estaria disposto a trabalhar com um grande grupo desses?
Samuel: De jeito nenhum. Nesse momento, eu não tenho planos de trabalhar com grupos grandes ou de médio porte ou investidores. Eu vivo esse sonho. Talvez no futuro possa mudar de opinião. Não quero ser o dono do mundo. Mas temos problemas por não sermos grandes. Por exemplo, o nosso produto sai da fábrica por R$ 9 e tem gente que encontra aí, no Rio, por R$ 35.
E como solucionar isso?
Samuel: Nós desmontamos nosso modelo anterior de distribuição. Infelizmente, com mudanças políticas e tributárias, chegamos à conclusão de que a presença do distribuidor tributa nossa cerveja em toda a cadeia. Já vemos uma mudança significativa nos preços quando entregamos o produto direto da fábrica para o PDV. O modelo começou por Santa Catarina, Rio Grande do Sul, chega no Rio, Minas Gerais, Brasília, Goiás e, depois, vamos para São Paulo. Estamos cadastrando e contratando representantes em todo o Brasil, inclusive no Rio. Quem quiser trabalhar com a gente tem a oportunidade de nos conhecer em Blumenau, durante o Festival Brasileiro de Cerveja. (Samuel avisa como entrar em contato com a Bodebrown: comercial1@bodebrown.com.br ou falar com Daniele no 41 3276-1560.)
E a Bodebrown quer estar presentes com fábricas ou bares fora de Curitiba?
Samuel: Estamos com planos de expansão. A fábrica nova (em Curitiba) vai ser aberta até outubro. Nossa capacidade atual é de 40 mil a 50 mil litros por mês e vai para algo entre 100 mil e 150 mil no fim de 2016. É um salto razoável. Temos outros planos que se dividem em dois. O primeiro é uma fábrica nova, possivelmente no Nordeste. Além disso, uma estrutura de distribuição com possibilidade de uma fábrica para atender o Sudeste. Quem sabe uma no Rio? Mas ainda estamos na primeira fase, de colocar a fábrica nova para funcionar. Sobre bares, temos projetos, mas mais adiante.
Uma fábrica no Nordeste faria muito sentido para a Bodebrown.
Samuel: São nove estados. Tem uma demanda ali. Fortaleza é super representativa no cenário, mas, é claro, nada que se compare a São Paulo, Minas e Rio. Para mim, seria uma questão até espiritual muito bacana. Minha origem é de lá, é um resgate. Eu retornaria ao ponto de origem, mas, calma, a economia está atribulada. Nosso plano original era de 10 anos e, com cinco anos de cervejaria, já refizemos totalmente o plano umas três ou quatro vezes.
E qual é a novidade que trará ao Festival Brasileiro de Cerveja?
Samuel: Vamos ter a Double Perigosa, que é uma cerveja de 18%, finalizando processo com um processo de congelamento para chegar aos 25% ou 26%. Está em desenvolvimento. Não é tão simples, temos um contêiner de refrigeração que vai até -25º C e estamos em contato com um pessoal de fora do país para nos ensinar esse conceito de eisbock. A ideia é fazer um vídeo do congelamento explicando o processo.